Colombiano é o 1º da América Latina a passar por eutanásia sem doença terminal
Acometido por cinco enfermidades, o motorista Victor Escobar encerrou uma batalha legal de dois anos e conseguiu o direito de interromper a própria vida. Advogado conta ao Correio como foram os últimos momentos. É o primeiro caso na América Latina
Pouco antes das 14h20 de sexta-feira (16h20 em Brasília), o motorista Victor Escobar Prado, 60 anos, gravou um vídeo de despedida, na sala de sua casa, em Cali (Colômbia). Estava acompanhado da mulher, Diana Nieto, de Arley (um dos quatro filhos) e do advogado da família, Luis Giraldo Montenegro. Com uma cânula nasal de oxigênio, ele disse que tinha vencido uma batalha, “que abrirá as portas para mais pacientes que desejarem uma morte digna”.
“Obrigado a todos os colombianos que, de uma forma ou de outra, nos deram apoio e nos brindaram com essa confiança para seguirmos adiante”, afirmou Victor, em meio à tosse e a espasmos musculares. “Não lhes digo adeus. Digo um ‘até logo’! Abraços e bênçãos a todos. Aos poucos, vamos nos encontrar onde Deus nos tem.”
Ao sair de casa, foi homenageado por dezenas de vizinhos e amigos, que fizeram questão de dar o adeus. “Victor foi hospitalizado na clínica Instituto Colombiano del Dolor (IPS Incodol), de Cali. Comeu batata frita e tomou suco antes de receber um sedativo, às 19h do mesmo dia (hora local), para que o corpo começasse a relaxar. Ele foi aplaudido pelos médicos e funcionários. Às 21h20, deixou de respirar. Estava acompanhado da esposa e dos filhos”, contou Luis Giraldo ao Correio, por telefone. O motorista pediu à família que doasse todos os órgãos funcionais. De acordo com o jornal El Tiempo, as córneas de Victor já foram doadas. O corpo do colombiano começou a ser velado, em casa, ontem, e será cremado hoje.
O advogado acompanhava o drama de Victor desde agosto passado. “É o primeiro caso de eutanásia em paciente não terminal da América Latina e do Caribe”, comentou Luis Giraldo. Segundo o advogado, Victor Escobar tinha cinco enfermidades: doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), trombose pulmonar, acidente vascular cerebral, fibrose pulmonar e hemorragia nos pulmões. O derrame retirou-lhe parte dos movimentos do lado esquerdo do corpo. Giraldo relatou que, nos últimos dias de vida, o cliente teve a companhia de muitos familiares e saboreou suas refeições favoritas.
“Victor tomou a decisão de se submeter à eutanásia dois anos atrás. Em um primeiro momento, a Justiça colombiana negou-lhe o procedimento. Em agosto de 2021, a Corte Constitucional descriminalizou o homicídio por piedade em pacientes não terminais, ao alegar que teriam o mesmo direito de outros doentes. Imediatamente, Victor solicitou a eutanásia pela segunda vez, negada pela seguradora de saúde, sob argumento de que não era um paciente terminal e que, apesar de a Corte Constitucional ser o órgão máximo de controle dos direitos, não detinha poder para realizar a eutanásia”, explicou Giraldo.
O advogado espera que o Congresso da Colômbia legisle em favor da eutanásia em doentes não terminais, “a fim de que essa porta seja aberta totalmente”.
A família, por meio do defensor, entrou com uma ação de tutela, em Cali, e o juiz ordenou a eutanásia. No entanto, a clínica entrou com um recurso, por meio do qual pedia a revisão do caso, em segunda instância. A Corte declarou nulidade de toda a decisão judicial após encontrar uma falha na petição. O magistrado, então, reiniciou o processo e determinou a morte assistida de Victor, a qual ocorreu ontem, com a ajuda de dois comitês — um científico e outro médico.
“Victor é um guerreiro. Uma pessoa que me ensinou muitíssimas coisas, alguém admirável. Mesmo que algumas pessoas não estivessem de acordo, ele tomou a decisão. Hoje, está descansando”, desabafou Giraldo.
Na América do Sul, apenas a Colômbia despenalizou a eutanásia, em 1997. No entanto, várias lacunas dificultam a aplicação da legislação. De acordo com a agência de notícias France-Presse (AFP), 157 pessoas receberam eutanásia na Colômbia, todas em fase terminal. No Chile, a morte assistida é proibida, mas o tema está em discussão no Congresso. Argentina e Uruguai aprovam a “morte digna”, a qual contempla a recusa a tratamentos paliativos. No Brasil, a eutanásia é proibida por lei. Correio Braziliense).